Meu emprego vai resistir à ameaça dos robôs? Veja quais setores são menos vulneráveis
Nos últimos anos, o avanço da automação sobre os empregos tem ganhado mais espaço entre os desafios discutidos neste Dia do Trabalho. Um novo estudo aponta novos elementos do que tem sido visto como um risco crescente para trabalhadores em todo o mundo.
Uma análise feita por um grupo de cientistas da Escola Técnica Federal de Lausanne, na Suíça, conseguiu estabelecer uma ponte entre várias formas de trabalho atuais ameaçadas pela tecnologia em diferentes graus e as ocupações cujos profissionais têm mais chance de se adaptarem ao futuro.
Até aqui, tudo o que se sabia era que muitos empregos seriam tomados por robôs, ou pela inteligência artificial, e que outros tantos provavelmente seriam criados pelas novas tecnologias. Faltava ligar as duas pontas.
Os pesquisadores elaboraram um ranking de profissões que podem desaparecer ao terem suas atividades automatizadas, mas foram além. Usando justamente um algoritmo de inteligência artificial, eles decompuseram o perfil de 987 ocupações pela natureza da habilidade que requerem. A partir daí, agruparam e apontaram postos menos cobiçados pelos robôs, capazes de reacomodar os trabalhadores desalojados pelas máquinas nos seus ofícios originais.
O mapeamento é um desdobramento de um estudo clássico na área, publicado pelos cientistas Carl Frey e Michael Osborne, que em 2013 projetaram que 47% das profissões podem ser assumidas por sistemas de inteligência artificial ou robóticos. O novo trabalho, liderado por Antonio Paolillo, recria um ranking de risco de automação de ocupações com base em dados atuais.
Tomada de decisão
Quando observado o cenário por famílias de atividades, os setores que mais tendem à automação são os de restaurantes/preparação de alimentos e de manutenção/limpeza, por reunirem um número muito grande de postos de trabalho que requerem pouca escolaridade ou habilidades complexas. Meios eletrônicos de pagamento e pedidos ou robôs que aspiram são exemplos de soluções digitais e máquinas que permitem às empresas desses ramos diminuírem as contratações.
Os dois grupos ganham pontuação de risco um pouco mais elevada que os postos do setor de comércio/vendas, por exemplo, mas que também vive forte transformação com a digitalização das compras.
Na indústria, fábricas de processamento de carnes, que atualmente empregam muita mão de obra nos cortes, estão entre os exemplos de forte tendência à mecanização.
Na outra ponta do espectro, os pesquisadores apontaram o setor de educação e treinamento como o mais protegido, por demandar características críticas e analíticas que os robôs — pelo menos ainda — não vislumbram. Isso indica que a escolaridade terá um papel fundamental na recolocação dos trabalhadores trocados por robôs, mesmo em atividades que não são consideradas intelectualizadas.
Para o engenheiro de produção Cesar Alexandre de Souza, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP), o estudo suíço mostra um caminho de como o Brasil pode planejar melhor o desafio da transição pela qual o trabalho passa, dando mais espaço à inteligência artificial e à robótica nas políticas públicas para aprimorar o mercado.
— O interessante no trabalho dos suíços é que não só mediram a desgraça, mas também um jeito de fugir dela, com um indicador do esforço de retreinamento para trabalhadores se adaptarem à automação — diz Souza.
Ele orientou uma estudo similar em 2019, a tese de doutorado do pesquisador Sergi Pauli, da IBM, levando em conta não só o tipo de habilidade de cada profissão avaliada, mas também a dose de conhecimento e tomada de decisão crítica requerida. — Mesmo já existindo sistemas de piloto automático que pousam e decolam aviões, o trabalho de piloto apareceu na nossa lista como o menos “automatizável”.
Capacitação é a saída
Publicado em abril na revista científica internacional Science Robotics, o estudo suíço traçou o cenário a partir do catálogo de profissões e do perfil da força de trabalho dos EUA, uma das mais diversas do mundo, e cruzou os dados com um compêndio europeu de habilidades robóticas.
— É uma proposta metodológica nova, muito interessante e muito promissora — avalia o especialista José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP.
Ele, no entanto, faz uma ressalva:
— Para isso se transformar em realidade, são anos-luz.
A espera deve ser particularmente angustiante no Brasil, que tem problemas mais prementes. Antes de encaminhar sua força de trabalho para um mercado renovado, o Brasil ainda tem o desafio de recolocar uma massa de cerca de 20 milhões no mercado de trabalho, lembra o professor da FEA/USP Hélio Zylberstajn. A taxa de desemprego, no patamar de 11%, cedeu pouco desde o baque inicial da pandemia.
Em alguns anos, entretanto, quando a metodologia criada agora já tiver sido revisada, ampliada e puder ser adaptada à dura realidade brasileira, Zylberstajn acredita que ela ajudará a traçar planos de requalificação profissional. Pastore concorda e frisa, que, até lá, o país deve se concentrar em cobrir lacunas na formação profissional clássica.
— Acima de tudo, o Brasil tem uma deficiência de educação básica — lembra ele, acrescentando que, em muitos casos, resta à iniciativa privada complementar essa formação precária para poder empregar o trabalhador em sua atividade e aproximá-lo da tecnologia.
Inovação abre portas
No Brasil, o Laboratório do Futuro, da Coppe-UFRJ, também reúne estudiosos do desafio da automação ao mercado de trabalho. Um estudo do grupo liderado pelo pesquisador Yuri Lima, em 2019, tentou adaptar a metodologia de Frey e Osborne a um mapa do mercado de trabalho brasileiro, e também concluiu que 47% dos postos de trabalho são suscetíveis a automação. Como a inovação também cria novos empregos (não apenas rouba os velhos), é difícil estimar seu impacto efetivo no futuro próximo, explica Lima:
— Tanto a primeira revolução industrial, nos séculos XVIII e XIX, quanto a quarta, que vivemos agora, de modo geral não causaram desemprego. Mas é importante notar que, mesmo com tudo dando certo no longo prazo, ocorreram processos de disputa e ruptura no curto prazo, que só terminaram bem graças a atores sociais que pressionaram pela construção de um futuro melhor para o trabalho.
O trabalho dos cientistas de Lausanne, avalia o pesquisador da UFRJ, aponta um caminho de como atenuar a perturbação gerada pela inovação, evitando maiores solavancos, caso sua lógica seja usada para orientar políticas públicas.