Empreendedores se inspiram na Copa para alavancar vendas.
Confira os cuidados para não burlar regras de propriedade intelectual
Faltam ainda dez dias para o início da Copa do Mundo de 2022, mas, já em clima
de esquenta para o torneio, micro e pequenos empreendedores pegam carona na
competição para lançar novos produtos, atrair clientes e alavancar as vendas.
Seja brincando com o tão desejado álbum da copa e suas figurinhas, os jogadores
e a própria competição em si, os negócios esbanjam criatividade, mas a
estratégia requer cuidados para evitar o descumprimento de regras de
propriedade intelectual do evento e de empresas envolvidas.
A creche canina da rede Au Life, na Vila Andrade, Zona Sul de São Paulo,
viralizou nas redes sociais com um álbum de figurinhas com fotos dos cachorros
matriculados no local. Segundo a empresa, o novo produto está sendo procurado
até por tutores de animais que não fazem parte da "escolinha". Todo
mundo quer uma versão personalizada, inclusive donos de outras redes de creches
para cães:
— Outras creches queriam que a gente produzisse para eles, mas não tivemos
tempo. Estivemos ocupados com a festa de Halloween na semana passada, e agora
partimos para organizar o evento de fim de ano — explicou Fernanda Jauhar, uma
das sócias da empresa e responsável pela área de marketing.
A ideia de lançar o álbum surgiu quando os empresários perceberam que a febre
das figurinhas colecionáveis havia deixado de ser apenas uma brincadeira de
crianças e virou entretenimento para os adultos. Os tutores dos cachorros
matriculados pagaram R$19,99 pelo produto e cada pacotinho com cinco figurinhas
custa R$2,99.
Jauhar e seu sócio, Alexandre Vilardi, explicaram, no entanto, que a empresa
tomou todos os cuidados para não plagiar o lançamento original da Panini:
— Usamos a nossa paleta de cores e logo. Não há nada de terceiro. A gente se
baseou no álbum oficial, mas todas as marcas são nossas. Não usamos nenhum
símbolo da Panini ou da FIFA. Até o campo de futebol, a gente usou como base a
nossa área onde os cães ficam — explicou Vilardi.
A confeiteira Luiza Amorelli, da Caramelle Lu, também lançou um álbum de
figurinhas especial da sua loja. Todos os clientes que completarem a coleção
têm direito a dois brindes: um babka salgada (um tipo de pão doce amanteigado)
e uma caneca escrita "é café, eu juro!", em alusão aos brasileiros
que pretendem assistir aos jogos durante o expediente.
Já a empresária Alexandra Vieira, proprietária da Gran Pastel, em Niterói, está
prestes a lançar sabores especiais para os países que jogam na Copa do Mundo.
Na semana que vem, o restaurante vai oferecer pastéis inspirados na culinária
brasileira, argentina, francesa e de muitas outras nacionalidades:
— A divulgação vai ser com aquele esquenta nas redes sociais. Eu também quero
decorar a loja toda em verde e amarela e colocar as bandeiras dos países. A
cada gol do Brasil, o cliente que está assistindo ao jogo no restaurante vai
ganhar uma porção de mini pastéis.
O Brasil vai ser o único país com direito a dois sabores, um de banana e um de
feijoada, além dos especiais da França, Alemanha, México, Argentina e Qatar. O
último, em homenagem ao país sede do evento, será sabor cafta.
A rede de brigadeiros Fabiana D'Ângelo também vai brincar com o tema, com
docinhos decorados nas cores dos países que competirão no torneiro. Brigadeiros
e alfajores serão vendidos por encomenda, mas os nas cores da bandeira brasileira
também estarão disponíveis nos quiosques da marca nos shoppings Rio Design
Barra, Leblon, Fashion Mall e Barra Shopping.
– Já temos algumas encomendas previstas tanto para festas de aniversário
infantis quanto eventos corporativos, para os funcionários assistirem os jogos
nas empresas – conta Kelly Sulam, responsável pela área Comercial e de
Marketing da marca.
Já no restaurante Gastronomia do Horto, no Camorim, Zona Oeste do Rio, os
clientes poderão acompanhar as partidas com drinques temáticos inspirados na
competição. Cada um custa R$15. Entre as opções há o "Geração de Craques
1970", com vodca, cerveja e limão, o "Corrossel Holandês 1974",
em homenagem ao time da Holanda, à base de gim, enérgico tropical e laranja, e "Agora
é Tudo 2022", com gim, morango e tônica.
Mas é preciso cuidados na hora de se inspirar no torneio para lançar novos
produtos e serviços. Especialista em direito do entretenimento, a advogada
Fernanda Magalhaes, do escritório Kasznar Leonardos, explica que há uma linha
tênue no chamado "marketing de emboscada" entre o que é seguro e o
que é uso indevido de marca. Isso por conta, principalmente, da pressão dos
patrocinadores.
– Não está fora da possibilidade falar em futebol nessa época. O que não pode é
fazer, de alguma forma, ainda que indireta, a associação à competição, com o
uso de artigos que contextualizem que o evento, como a imagem da taça,
bandeirinhas de países e a própria palavra "Copa" ou "Catar
2022" – explica.
Ela continua:
– Se um pequeno varejista falar de futebol nessa época, ele pode, o grande
desafio é como ele vai fazer isso. Se associar elementos que pertencem a Fifa,
por exemplo, ele cruza a linha do seguro para o arriscado, e pode receber uma
notificação.
A especialista orienta que MEIs e pequenos empreendedores, e até grandes
marcas, podem tirar dúvidas sobre o que é permitido e o que não deve ser feito
no Guia de Diretrizes de Propriedade Intelectual da FIFA. O documento traz
exemplos de uso indevido ou não da marca e elementos que rementem ao evento, e
está disponível online (clique aqui), em inglês.
Fernanda também explica que, apesar de pequenas negócios acreditarem que, pelo
porte, não estão sendo "vistos" – e por isso não serão incomodados –
o risco de notificação da entidade organizadora do evento é grande. Ela atuou
como gerente de propriedade intelectual dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de
2016, no Rio, e conta que entidades como a Fifa contratam empresas
especializadas de consultoria que usam robôs e inteligência artificial para
monitorar redes sociais e também negócios presenciais.
Segundo ela, nos Jogos do Rio o Comitê Olímpico Internacional (COI) avaliava,
em média 600 publicidades por dia. Durante o evento, 1,6 mil notificações foram
enviadas a diferentes empresas, desde grandes marcas concorrentes dos
patrocinadores até MEIs e pequenos negócios. A advogada explica que, nestes
casos, a notificação alerta sobre o uso indevido da marca e em tom educativo,
sobretudo com MEIs e pequenos negócios.
– Acredito que muitas pessoas fazem por desconhecimento, achando que esses
ativos (da Copa ou dos Jogos Olímpicos, por exemplo) são públicos, do mundo –
avalia: – Na maioria dos casos as pessoas recebiam bem o contato que fazíamos e
mudavam a conduta. Em poucos casos tivemos que subir o tom e sermos mais
assertivos, e a judicialização foi zero – diz.